Entrada do Peru em Iñapari: à frente aduana e imigração |
Sob o aspecto geral, tem-se uma rodovia praticamente nova com piso bem conservado (onde se permite), sinalização farta e bem conservada, pontes igualmente conservadas (incluindo suas cabeceiras) e algumas obras em andamento (incluindo praças de pedágio; todas inativas à época).
Analisando os distintos cenários que se vai encontrar na rodovia, destacam-se:
Até a fronteira (aduana brasileira), serão aproximadamente 340Km e o referencial para abastecimento neste trecho é Rio Branco, Brasiléia e depois em Assis Brasil. Povoados e cidades são raros.
Adentrando ao Peru, após os trâmites aduaneiros/imigratórios sob o escaldante sol amazônico e com pouca estrutura, inicia-se "outra" estrada.
Até a cidade de Puerto Maldonado, vai-se seguir por um piso exemplar (um tapete) muito bem conservado.
O trânsito principal são caminhões madeireiros, alguns carros/vans e moradores locais com pequenas motocicletas.
Aqui a grande mudança são os inúmeros povoados. Chegam a distar menos de 20Km cada um. São muitos mesmo. Alguns deles resumem-se a poucas casas, mas sempre há um quebra-molas na entrada e outro na saída; isso no mínimo, pois podem havem mais. Este detalhe impede de desenvolver a viagem de maneira mais constante atrasando um pouco, além é claro de se cruzarem pedestres de ambos os lados da estrada trazendo perigo e necessidade de atenção redobrada.
Desde a saída de Rio Branco, passando por Puerto Maldonado até aproximadamente 80/100Km adiante, o perfil da rodovia é de curvas suaves, topografia leve, sem descidas ou subidas fortes e com altitude média de 280m do nível do mar. No entanto tudo isso acaba aí.
Após este ponto, inicia-se realmente a "emoção da viagem". São sequências de curvas vertiginosas com placas alertando a todo o tempo para soar a buzina ("Toque el Claxon") pois não da para se ter a menor noção do que vem à frente, tamanha deve ser a atenção.
Igualmente às curvas, a subida é extremamente acentuada. Daqui para frente deixam-se os tais 280m do nível do mar, passando Marcapata que fica a aproximadamente 1800m, chegando a alucinantes 4872m no ponto mais alto em Abra Oquepuño (um excelente local para tirar fotos).
Essas curvas são realmente perigosas mas se feitas com cautela, não causam problemas. Chega-se a fazê-las em primeira ou segunda marchas, dependendo do que se encontre no caminho.
E o que se encontra no caminho? Bem isso é sempre um mistério... Neste época (Março/2012), encontramos muitos deslizamentos de encostras e cursos d'água descendo das encostas e cruzando a pista. Estes "riachos" não raro deixam limo na lista e não somente nas curvas, mas após algumas depressões, lá estão eles.
Li alguns relatos de tombos por conta desses curos d'água, mas são evitáveis. Procuramos tangenciar a curva abrindo na saída ao máximo e isto evitou muitas surpresas.
Abaixo, uma sequência de fotos da aproximação da curva com o curso d'água adiante:
Da esquerda para a direita, vê-se a aproximação de uma curva em "U" e a surpresa do curso d'água. Na época que passamos por lá, em 40/50% das curvas havia um curso d'água desses.
O segundo grande obstáculo são os desmoronamentos de encostras que levam terra e lama à pista. Estes podem atrasar a viagem. Ao longo da rodovia, especialmente na parte da selva, há máquinas integralmente disponíveis para limpar esses desbarranques. No entanto não há tantas assim e não raro se tem que ficar aguardando uma dessas vir limpar a sujeira. Nós tivemos grande sorte em passar por lá com, no máximo, meia pista, mas nada de obstruções que impedissem prosseguir.
A foto ao lado, representa um desses desmoronamentos, recém limpos e coberto de lama... Um "sabão"!
No Peru a impressão que se tem é que nunca se limitam (cercam) a criação de animais ou ainda não se deram conta de que ali agora passa uma rodovia... É impressionante a quantidade de bichos soltos às margens da rodovia.
São vacas, lhamas, vicunhas, cabras, cavalos, porcos, galinhas e toda sorte de bicho que se possa contar. Talvez isso não seja exclusividade peruana, pois encontramos em menor quantidade, evidentemente, muitos animais soltos no Acre e na Argentina depois do Passo de Jama.
No caso deste trecho da Interoceânica, eles são os donos de tudo por lá. No geral, são calmos e movimentam-se lentamente; surgem do nada, transitando livremente e raros estão presos a cordas.
Nos finais de tarde, os donos começam o pastoreio e isso complica tudo pois agora são bandos que passeiam pela pista.
Convencionamos o ponteiro avisar com pisca-alerta aos demais sobre a presença dos bichos e funcionou a contento.
Quase semelhante aos bichos, o povo também é de uma tranquilidade assustadora: literalmente. Páram seus carros, vans, tuc-tucs, o que for, diretamente na pista e desembarcam sem avisar. Uma segunda convenção também determinada foi transitar pelas áreas urbanas sempre à velocidade máxima de 40Km/h mesmo que a tentação da "pista-limpa" convidasse a girar o punho.
Em relação à altitude, temos logo após Puerto Maldonado (80/100Km) o início da subida. É realmente muito rápida e logo se está muito alto.
Neste ponto da viagem é que a possibilidade de ocorrer o Soroche, ou mal da montanha, se manifesta.
Abra Oquepuño: 4872m |
Como ocorrências mais comuns vêem-se tombos da moto ao parar, falta de força para segurar a moto quando se desce, cansaço para andar, no entanto isso é muito pessoal e depende de várias circunstâncias para ocorrer.
Nesta expedição não houvem nenhuma (isto mesmo: nenhuma!) ocorrência do Soroche entre nós.
Como resumir então a Interoceânica nesses quase 700Km entre a fronteira com o Brasil e Cusco?
De começo: O LUGAR É LINDO! Valeria qualquer sacrifício passar por aqui para ver este cenário surreal.
Quanto às dificuldades, é importante lembrar que essa estrada foi recém inaugurada, ou seja, ela já foi muito, mas muito pior.
A máxima de que "quanto mais belo, mais difícil" é verdadeira na Interoceânica. Toda ela é admirável, mas o trecho de selva é estonteante. Mesmo com suas curvas, desbarrancamentos, cursos d'água, pedras, etc., a natureza abunda de forma tão magnífica que o sentimento que se tem é de pequenez e subsunção absoluta diante da magestade imperial diante dos nossos olhos.
Visualize essa estrada como um lugar que deve ser respeitado acima de tudo, mesmo porque o que ele te dá de retorno é uma serenidade mental inimaginável com suas lindas paisagens. Isto vale também para as pessoas, suas cidades, seus rebanhos e todo aquele meio-ambiente rico não só natural, mas culturalmente. No mínimo é de se pensar que os invasores somos nós e a própria estrada, tanta é a riqueza que se presencia por lá.
Finalmente, pudemos deduzir que lá é um lugar contemplativo, digno de uma oração. Passar preocupado, tenso ou mesmo "comendo-asfalto", seria um grande desperdício.
À primeira oportunidade, estacione sua moto, traga toda sua vida à mente, entregue seus pensamentos, amigos, familiares, pessoas que você ama... e abra bem os olhos, para jamais esquecer tão magnífico cenário.
Parabéns pela viagem. Gostei muito das fotos.
ResponderExcluirParabéns Julio. Belíssimo relato. Fotos maravilhosas e informações muito úteis. Em abril fiz a "parte sul" desta viagem. Espero em breve fazer a "parte norte".
ExcluirGrande abraço Giovani (o Bastião do FOL).
Galera. Obrigado pelos comentários. Abs a todos.
ResponderExcluirBelíssima viagem, parabéns!!
ResponderExcluirPor gentileza me tire uma dúvida. Qual as vantagens em ficar em Ollantaytambo em vez de Cuzco?? Estou com uma viagem programada para o próximo ano e Macchu Pichu está no roteiro.
Raymond, enumeramos algumas vantagens ao escolher Ollantaytambo: para quem vai pelo Acre, fica antes de Cusco. Logo depois de Urcos, desvia-se pelo Vale Sagrado até lá. A cidade é bem pequena e aconchegante (o contrário de Cusco) e é bem próxima a Águas Calientes de onde parte o trem para Macchu Picchu (aqui tem outra vantagem pois o valor do transporte cai consideravelmente partindo de Ollantaytambo). Na volta ainda passamos em Cusco para conhecer e depois rumamos para Puno.
Excluir